Quando decidiu engajar-se em seu projeto terra terreno território, Dani Sandrini tinha por objetivo ampliar o debate sobre o que é ser indígena numa cidade como São Paulo. Em busca de uma documentação fotográfica à altura da relevância política e cultural de seu tema, produziu imagens com beleza e serenidade que se mostram como consequências naturais de quem fotografa ciente de que as experiências cotidianas e as relações interpessoais consistem em algo muito mais importante do que as próprias fotografias que podem ser dali extraídas.
Capturadas digitalmente, as imagens foram impressas em transparências, gerando grandes negativos colocados em contato direto com dois tipos de suportes: papéis de algodão sensibilizados por uma emulsão à base de jenipapo (fruto que também é usado
para a pintura corporal dos indígenas), e em folhas de plantas, processo este conhecido como fitotipia. Ambos os procedimentos
exigiram longos períodos de exposição ao sol – dias, às vezes, semanas – permitindo a construção artesanal das impressões sob uma temporalidade impensável para a prática fotográfica vigente, baseada na ferocidade do click, share & like.
A opção por tais formatos definiu a estas imagens uma dimensão material extremamente frágil, que as distanciam da longevidade dos sais de prata dos filmes fotográficos ou dos bytes dos arquivos digitais. Como espécies de “fotografias orgânicas”, estas imagens estão destinadas ao desaparecimento, pois tendem a se deteriorar rapidamente sob a ação da luz. Sendo permitido a elas, portanto, uma “morte”, seriam elas mais “vivas” que as fotografias normalmente arquivadas como documentos iconográficos? Frágeis enquanto indícios perenes, tais imagens parecem convocar com mais força nossa sensibilidade e nossos olhares para o tempo presente destas comunidades, exigindo uma reflexão a respeito da responsabilidade que nos cabe frente à construção desta história que está em andamento.
“Falando da fotografia, parece (parece?) que estou falando da vida”, nos diz Dani Sandrini, fazendo-nos imediatamente associar a fragilidade destas imagens à própria fragilidade de todo e qualquer tipo de vida. Aqui, contemplamos as imagens como algo que desaparecerá, e isso nos dá a chance de realizar um exercício que não deveria se estender, em hipótese alguma, às cenas e
personagens que foram capazes de promover toda a experiência que se configura nesta exposição: com a existência dos indígenas legitimada no presente, temos a chance de poder validar a importância da diversidade cultural e assim, respeitá-la como forma de garantir todos os benefícios que uma convivência harmoniosa pode ser capaz de gerar.
Wagner Souza e Silva
curador